quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Redução de mortalidade materna exige tratamento amplo do problema

Brasília - O Brasil só poderá reduzir em 75% a mortalidade materna até 2015, como prevê a Organização das Nações Unidas (ONU) nos Objetivos do Milênio, caso enfrente o problema em todas as suas dimensões, inclusive as relacionadas ao direito sexual e reprodutivo. A opinião é de Télia Negrão, secretária-executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos.
Segundo ela, houve avanços significativos no país desde a criação, em 2004, do Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, que envolve governos e sociedade civil. Entre esses avanços ela citou a criação de mecanismos para prevenção, como os Comitês de Mortes Maternas, as políticas de humanização do parto e a obtenção de dados mais precisos sobre as causas dos óbitos maternos.
Para a secretária-executiva, no entanto, só haverá esultados mais significativos quando outros aspectos do problema forem enfrentados. "Se não for adotada uma política muito séria de educação sexual, planejamento familiar, melhoria do atendimento durante a gestação, parto e puerpério [pós-parto], e de legalização do aborto, não conseguiremos, reduzir as mortes maternas no Brasil e atingir as Metas do Milênio. A esse conjunto de medidas se agrega também o enfrentamento da feminização da aids [aumento da contaminação de mulheres pelo HIV] da violência contra as mulheres" avaliou.
Adson França, coordenador de Ações Estratégicas do Ministério da Saúde e do Pacto, também reconhece a dificuldade de alcançar a redução da mortalidade materna nos níveis propostos pela ONU.
"É uma meta muito audaciosa para a maioria absoluta dos países porque envolve vários fatores: o aumento da escolaridade e do empoderamento da mulher; a melhoria das condições de saúde, da atenção ao parto e ao nascimento; a qualificação de profissionais; a legislação relacionada a complicações no contexto da violência contra a mulher".
A redução de 75% prevista pela organização internacional tem como base a taxa de mortalidade materna nos países em 1990, que no caso do Brasil era de 64 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos.
Hoje, a taxa no país, levantada a partir de dados de 2005, está em pouco mais de 53 óbitos. O número é 2,1% maior do que registrado em 2000 quando as metas da ONU foram lançadas, mas segundo o coordenador, o aumento reflete a melhoria na notificação de óbitos maternos que antes estavam subestimados.
Ele aponta, dados positivos que "seguramente" estão contribuindo para reduzir as mortes maternas, como por exemplo, o a ampliação da cobertura dos exames pré-natal no país, que passou passou de 22% das gestantes em 1990, para 76% em 2005.
"Estamos otimistas. Vamos reduzir bastante a mortalidade materna até o ano de 2015. Estamos buscando isso de forma persistente e se não chegarmos lá vamos ter a consciência tranqüila de que estamos no caminho, envolvendo gestores e sociedade civil. Se nós tivermos recursos financeiros e gestores mais comprometidos podemos sonhar pelo menos em chegar perto "afirmou.
França cita a experiência de Fortaleza, onde além de ser ampliado, o pré-natal passou a ser articulado com o atendimento durante e depois do parto. Segundo ele, em quatro anos a medida fez cair, de 70 para 40, o número de óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos na capital cearense. "A mulher tem que fazer o pré-natal e saber onde vai parir. Não pode ficar peregrinando atrás de um leito", destacou.
O técnico do Ministério salientou, no entanto, que também é preciso aumentar a qualidade do pré-natal no país, pois em muitos lugares a consulta não avalia aspectos necessários para garantir a segurança da gestante e do bebê e nem sempre consegue oferecer exames importantes. Segundo ele, um resultado de VDRL, exame que possibilita diagnosticar a sífilis, às vezes demora até dois meses para ser disponibilizado e das 4500 maternidades brasileiras só 1200 fazem o exame que detecta o vírus da aids.
Além disso, França apontou a ainda a necessidade de qualificar os profissionais que vão atender as mulheres na hora do parto."Ela precisa chegar nesse local e ter profissionais qualificados em urgências e emergências obstétricas e neonatais para dar continuidade ao processo. Porque se ela faz um bom pré-natal e não tem profissionais qualificados durante o parto o risco de morrer persiste".
A má qualidade no atendimento de saúde antes, durante e depois do parto é responsável pelas quatro maiores causas da mortalidade materna no país - hipertensão na gestação, hemorragias, infecções pós-parto e complicações em decorrência de aborto. A avaliação é da secretária-executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Télia Negrão.
"Um pré-natal não feito ou mal realizado; o atendimento inadequado na hora do parto, quando muitas vezes a mulher perambula de hospital em hospital para conseguir uma internação, dando à luz fora do serviço de saúde ou tendo descolamento de placenta por estresse; a má qualidade do atendimento, isso agrava a sua condição de saúde da mulher, levando ao óbito", afirmou, lembrando que cerca de duas mil mulheres são vítimas de mortalidade materna por ano no Brasil.
Além da falta de leitos, Télia apontou o despreparo dos profissionais para atender adequadamente às gestantes na hora do parto.
"Profissionais despreparados não conseguem enxergar que a mulher está em sofrimento, ou então, no caso daquelas que provocaram aborto e chegam aos hospitais, ao invés de serem acolhidas, muitas vezes são punidas com o sofrimento, já que o aborto é crime" disse.
Segundo a ativista, a má qualidade do atendimento também contribui para as infecções no pós-parto, já que muitas vezes não são detectadas a tempo de serem tratadas. Ela salientou que, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, 96% das mortes maternas são preveníveis e evitáveis.
"Na medida em que a gestação é uma vivência da sexualidade e não uma doença e que 96% das mortes maternas poderiam ser evitadas, é inexplicável que no Brasil mais de duas mil mulheres morram por razões ligadas à maternidade".
Para ela, os números demonstram, além da má qualidade do atendimento de saúde, graves problemas de planejamento familiar. "Muitas das gestações sequer foram desejadas ou planejadas levando as mulheres a abortar e a morrer".
Télia destacou que, apesar da tendência de estabilidade nos indicadores de mortalidade materna no país (52,36 mortes por 100 mil nascidos vivos em 2000 e 53,34 em 2005) o quadro pode ser alterado para pior com a feminização da aids.
De acordo com ela, o aumento do número de casos da doença faz com a aids já seja a segunda causa de morte entre as mulheres no Brasil, perdendo apenas para as doenças circulatórias.
"Se uma doença como essa não encontra uma barreira, políticas fortes bem direcionadas, principalmente à mulheres em situação maior de vulnerabilidade, é bem possível que a Aids passe a constituir uma razão muito forte de mortalidade materna no Brasil". Telia apontou destacou ainda a violência contra a mulher como responsável por um grande número de mortes maternas.
Fonte: Agência Brasil

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